Como habitualmente, nesse último de todos os verões, o meio-dia do sol ainda nos apanhava à procura do primeiro café, talvez do terceiro cigarro, ainda alheados pela frescura das paredes seculares, da canícula que soltava o bafo pela porta assim que a entreabríamos. Ainda indecisos entre Vila Nova, o Malhão, Aivados ou Oliveirinha. Deu-me para ligar o rádio, vá lá saber-se por quê. A princípio, pareceu-me a coisa disparatada. Depois, ouvi alguém dizer que uma tripulação de um qualquer voo confirmara ter avistado uma onda de grandes dimensões (há sempre uma tripulação algures que confirma as coisas mais bizarras). Isto de ondas de grandes dimensões é sempre uma questão a esclarecer – qual é a grande dimensão de uma onda? O comprimento? A amplitude? As ondas do tipo maremoto têm sempre comprimentos de onda enormes e pequeníssima amplitude em relação com o comprimento. Já as ondas formadas pelos fenómenos meteorológicos são de pequeno comprimento de onda e de amplitude da mesma ordem de grandeza do seu comprimento. Ora o que é visível na praia é a amplitude da onda. Dificilmente se avista da costa um tsunami a aproximar-se até que, ao atingir águas menos profundas, a amplitude da onda tenha uma variação positiva e comece a destacar-se a sua crista. Uma onda devida a vento normalmente não ocorre isolada nem com as condições meteorológicas que se verificavam em tal dia. Achei a coisa bizarra e assim que o tempo foi correndo e os noticiários invariados, desmontada a coisa pelo decurso, fui auscultar a opinião no café da vila. Havia até apóstolos do fim dos tempos. O eclipse há pouco mais de uma semana e agora isto. E era 1999, esse ano de conjugações tão terríveis. Saboreei aquelas inquietações talvez antevendo que seria o último verão ali. Não me recordo já se foi para a Oliveirinha que fomos. Só que estava um belíssimo dia de praia. Só nos lembrámos da coisa, já noite, quando parámos em Colos para meter gasolina e na televisão do café ao lado das bombas se via uma imagem da dita onda. Era curiosa. Mas quantas vezes não se vê coisa parecida em iguais condições atmosféricas? Faz hoje dez anos. E era Domingo. por MCV às 11:57
Probabilidades
Como toda a gente já ouviu dizer, o mundo é um lugar perigoso. A única coisa que me ocorre face à desgraça que aconteceu no Algarve, é perguntar-me a quantas das pessoas que ali pereceram passou pela cabeça avaliar a probabilidade do desabamento ocorrer naquela altura. Todos os dias a todas as horas desprezamos tais avaliações. Às vezes de maneira mais leviana, outras menos. O instinto de sobrevivência persiste afinal de contas. Custa-me como sempre é ouvir o chorrilho de asneiras que já ouvi hoje. Ouvi até dizer que alguém carregara com entulho aquele acidente topográfico. Deve ter tido uma trabalheira dos diabos. por MCV às 23:46 de 21 agosto 2009
Lisboa - Largo do Duque do Cadaval (clicar na foto para ampliar) por MCV às 03:26
Talião
Sou entranhadamente um rústico e entranhadamente pela lei de talião. Não vejo nisto nada de racional, nenhum vestígio de argumentário que aí desemboque. Sou apenas assim e não me detenho em escalpelos de tal coisa. Anda a arrastar-se há tempo a história do liberta-se, não se liberta, por razões humanitárias, ou de compaixão, como lhe queiram chamar, já que se encontra minado por um cancro, um tipo que foi condenado pelo homicídio de centenas de pessoas num atentado terrorista – a bomba no avião da PanAm que caiu na Escócia em 88. Uns quantos argumentam que ele é inocente. Se é inocente, não deveria estar preso e isso é outra conversa. A justiça, longe de ser cega para os pratos da balança, é também falível como tudo na vida. Pode pois o homem ser inocente. Libertar-se-ia então com base em apelos, em refutação de provas, etc.. Tendo sido condenado, vamos usar da presunção de culpa – é, pois, culpado. Fico perplexo e não acho que seja uma questão de argumentação mas de entranhas, como disse no início, que se liberte por compaixão ou razões humanitárias quem tenha morto centenas de pessoas. Deliberadamente. Cobardemente. Averbado às 17:15 - foi libertado. por MCV às 03:55 de 20 agosto 2009
Duas nada grandes questões universais
Aqueles tipos que ladeavam Sócrates quando uma jornalista lhe perguntou o que ele tinha a dizer sobre o último caso – aquela coisa das escutas em Belém – riam ruidosamente de quê? O que é que interessa às pessoas e para o que está em causa – que é o mau funcionamento - que a Linha Saúde 24 seja uma parceria entre o público e o privado, como salientou a Ministra? por MCV às 01:33
Um país sem manual de instruções
Confronto-me amiúde com alguém que é estrangeirado. Que alia a um desprezo generalizado pelas instituições nacionais, análises mais ou menos racionais sobre procedimentos, métodos, competências, avaliações. A minha avaliação comparativa, menos estribada na observação fora de portas, resvala para um provérbio que mete merda e moscas. Para além de todas as considerações que se possam fazer a partir do princípio de que é a necessidade que gera a organização, a avaliação dessa organização, creio, faz-se pela forma como funciona ou não uma hierarquia de comando – o que é dizer saber quem manda e quem obedece. Quem escreve os manuais e quem segue as suas instruções. Com uma necessidade levada ao extremo, são sempre os mais capazes os que dão as ordens e os menos capazes os que obedecem, sem grandes questões, parece-me. A questão é que à medida em que as condições ambientais se tornam mais favoráveis, há uma tendência para o desfazer da hierarquia e para a desvalorização das capacidades. Portugal não é um país habituado a manuais de instruções. Poder-se-á dizer que nem todas as formas de organização são necessariamente hierarquizadas. Talvez. Gostava de conhecer uma que funcionasse de forma aceitável. O facto é que, avessos aos tais manuais, temos uma hierarquia em que, regra geral, quem dita as regras ou dá as ordens não faz a menor ideia do que está a fazer. E quem deve respeitá-las não se sente minimamente inclinado a isso. Talvez por as sentir tão absurdas. O meu argumento depois de passar pela merda e pelas moscas, desagua na hierarquia. É disso que temos falta se queremos ser mais organizados e racionais. Não tenho a certeza de que uma sociedade mais organizada seja necessariamente um melhor local para se viver. Mas que também eu, não sendo estrangeirado, me irrito com tanta asneira e tanta incompetência, lá isso é verdade. por MCV às 01:01
No país do atraso mental
Há demasiada gente a queixar-se da inutilidade da Linha Saúde 24. Há o reconhecimento oficial de que a coisa não funciona bem. Não funciona bem ou não funciona mesmo? Sendo um caso ou outro, isto não seria o básico dos básicos na prevenção e previsão das coisas? Parece-me bem que sim.
Quantas mais linhas dessas que se propõem atender as carências de cada um não funcionam de facto? Há alguém com dois dedos de testa a tratar destes assuntos? por MCV às 18:16 de 19 agosto 2009
A canção do Verão
Pertenço ao grupo dos que costumam eleger uma música, uma canção de Verão. Já me vai passando o hábito, é certo, com a idade. Mas este ano, graças à RTP, não tenho a menor dúvida que esta é a minha canção do Verão de 2009. Magnífica! correcção: errada e estupidamente escrevi SIC em vez de RTP. por MCV às 19:33 de 18 agosto 2009
Sosseguem os donos das verdades absolutas. Os que sabem exactamente o que o futuro trará e que será calamitoso em todas as vertentes. Há finalmente um furacão no Atlântico! por MCV às 01:43
Sou pelo manguito
Não sei quem foi a cabeça que teve a ideia de substituir beijos, abraços e apertos de mão por uma vénia. Percebo e julgo útil que se recomende a abstenção do ósculo, do estreitar nos braços, do dá cá um bacalhau. Não vem daí mal nenhum ao mundo, antes pelo contrário. Julgo ter entendido parte do argumentário que desembocou na vénia. Não podia ser o punho erguido, porque os que não gramam socialismos mais ou menos científicos não iriam nisso. Não podia o ser o vê da vitória, porque os que não gramam ingleses, quejandos e pêpêdês não seriam de opinião. Não podiam ser os três dedos dos escuteiros, porque há demasiada gente que o não sabe fazer. Não podiam ser nem o sentido nem a continência porque os anti-militaristas não alinhariam. Não podia ser o polegar para cima porque se poderia pensar que se tratava de cravar uma boleia. Não podia ser dizer um abraço – como é costume, aliás – porque libertaria gotículas de saliva. Chegou-se, por igual exclusão de mais uns quantos gestos, à vénia. À atitude de f, como diria o Eça. Excluiu-se o manguito, talvez por falta de lembrança. É um gesto muito mais genuíno e adaptado às circunstâncias. Sou pelo manguito.
imagem roubada ao blogue ROINESXXI por MCV às 21:52 de 17 agosto 2009
A inauguração da rotunda
Escondida dos olhares forasteiros, conspícua aos olhos dos eleitores, inútil afinal. É esta a rotunda do HGU, inaugurada com grande pompa no dia do sexto aniversário. O ano VII começa hoje. por MCV às 23:35 de 16 agosto 2009