Hoje não é dia para essas coisas.
Vejo mais a preocupação no cabrito e no borrego.
Mas se calhar, vem a propósito falar dessas ondas de prato único que nos assolam como modas de Primavera – Verão.
Dizem-me que já não há colecções de Primavera – Verão e Outono – Inverno. Que agora a coisa é mais diluída...
Voltemos à mesa.
Mais uma vez, estas coisas não são novas. E muitas vieram de longe.
Imagino o que terá sido quando se vulgarizaram as batatas. E o bife.
Ainda hoje lhe ferramos o dente, eu que o diga.
Mas que volta e meia, há estes surtos de pratos que se encontravam confinados a meia dúzia de sítios, é um facto.
Vivi ainda tempos em que se buscavam os locais para se provarem as especialidades.
Hoje, comem-se coisas daqui e dali em qualquer local do país.
E volta e meia, vem a onda.
Assim de memória recente, vem-me o arroz de marisco e o porco preto.
Claro que há mais. Mas estas redescobertas cheiram-me sempre a whisky em cima do almoço.
E eu cá sou madronhêro.
Há poucas coisas piores do que isso.
Vês? Vês como eu tinha razão? Eu não te disse?
Em primeiro lugar, esta é uma frase que não se pode dizer.
Em segundo, contrariando o primeiro, mesmo que se diga, de nada serve.
Em terceiro, contrariando o segundo, se serve é para alargar distâncias.
Mas o diabo é que se diz. E diz-se sempre.
O outro perguntava à evangelizadora porque é que ela insistia em querer salvar os outros.
Ela respondeu-lhe com uma pergunta:
Se visse o seu filho à beira de um precipício não corria para o salvar? Não lhe chamava a atenção para o perigo?
Ao que ele respondeu:
E porque haveria eu de ver o precipício, se ele próprio o não via?
E se visse, supondo que via, o que faria?
Supondo que via, que o precipício existia, avisava-o, mandava-o recuar, abeirava-me, saltava e depois dizia: Vês? Eu não te disse?
Talvez te sintas melhor assim.
Nunca conviveste bem com a popularidade.
Achavas até que te confundiam com outro, como quando os estudantes brasileiros te disseram que te conheciam pela obra.
É curioso que não haja na rede (existe agora uma rede de comunicação e de informação à escala global) uma só menção ao teu nome.
Talvez prefiras assim.
Quantos serão os portugueses que não conhecem, não usam a tua obra? Poucos, muito poucos.
Quantos já não a admiraram, sem saberem quem fez aqueles traços, quem calculou aqueles pilares?
Demoliram uma delas. Não, não tinha nenhum problema. Foi o progresso. Coisas novas. Mas o serviço que fazia, e que não foi substituído, faz falta. Mentalidades.
De um jornal, uma pessoa atenciosa mandou-me várias fotografias da demolição.
Vê-se a qualidade da coisa, que foi má de deitar abaixo.
Retribuí com uma foto dos primórdios.
Para minha surpresa, teve destaque de primeira página. Sem que eu quisesse, lá apareceu o teu nome.
Ainda não as descobri todas. Naquele dia, no metro, em que falámos da tropa, das manobras de Pegões, das cento e tal obras, não pormenorizámos o suficiente. Fazia-me falta um arquivo, um caderno.
Assim, tenho usado as tuas agendas de bolso, uns blocos que me entregaram, cópias dos arquivos oficiais, ozalids que encontrei dentro de baús, fotografias, uns dossiers de projecto, rabiscos em mapas do ACP e já descobri cinquenta e seis. Para aí metade. Mas há muitas outras para as quais olho e em que vejo os traços de família, falta o teste do ADN.
É bom, muito bom um fim de tarde à beira do Mira. Ao pé de uma das que mais gosto. Não, não é aquela grande. É a que chamam do Salvador.
Isso deu-me outra ideia.
Um dia conto-te.
Tenho saudades tuas. Já lá vão vinte e três anos.
Pois é, ainda não tens netos. Mas as tuas árvores têm sobrevivido.
Pois é.
Em homenagem aos mais de cem visitantes que aqui têm vindo em busca do sistema milagroso, e os quais curiosamente aqui entram através de um resumo semelhante a este:
Na verdade, o sistema existe e não está à venda. É tão elaborado, tão elaborado que nunca acertou.
Apesar disso, na semana passada por exemplo, ao desdobrar os 49 números segundo critérios que têm em conta tão só intrincadíssimas intersecções estatísticas, gerou 4 chaves.
Das 4, uma foi premiada (3 acertos).
Digam lá se não são capazes de fazer o mesmo, pedindo os números a quem está ao vosso lado no café. Acho que sim.
Mas claro que vou jogar.
Daqui a umas horitas, quando ele completar os cálculos, já que à primeira mostrou não existirem chaves que passassem por todos os filtros, lá irei eu também com o boletinzinho na mão.
Boa sorte, que ganhe o mais sortudo. Tenho a certeza de que será assim.
Há vinte anos que ando nisto. Manias.
Descobriu a fotografia a meio da manhã
Num semi-deserto povoado de nómadas
Que pagavam caro a sua estadia sazonal.
Deixou-se ficar junto da praia,
Admirando as gaivotas na pequena lingua d'areia
E auscultando o mar.
Desejou regressar à pequena cabana de colmo
Para se bater com um peixe fresco
E provar o tal branco que fresquinho...
E recordou as tardes de água verde
Escorrentes e embaladas
Pelo som de segredos ciciados no seu corpo.
Entendeu o prazer como um corolário meditabundo
De pós-guerra
Pondo na lembrança as mulheres possuídas.
Resumiu as vivências acumuladas
Numa canção recuperada às juke-boxes
De verões sessentistas e sorriu.
Gozando sol e mar
Nas suas paragens preferidas
Largou fumaças sob as escuras lentes.
E então contemplou o casario longínquo,
De branco pintado entre palmeiras e muros,
Mirou o imponente castelo
Que parecia flutuar sobre as areias e o rio
E, àvidamente, descobriu a fotografia!
Faltavam sete minutos para o meio-dia!
A coisa sempre me fez espécie.
Mudava aos cinco, acabava aos dez. Mas a vantagem era sempre dos que começavam por baixo.
Eu explico.
O largo ainda é inclinado. Só que agora já não estão lá os bancos de betão que até nem eram muito bonitos, até pareciam ter sido feitos com os mesmos moldes de algumas das vedações da CP. Não daquelas dos losangos em negativo. Das outras, que se viam mais na província.
Está lá agora um chafariz mal parido. Desenhado na certa pela filha daquele senhor que se gabava de ter uma filha com jeito para o desenho.
E o largo soçobrou às exigências viárias. Como se ali houvesse horas de ponta e necessidades de três faixas em cada sentido. Um mistério.
Mas voltemos.
Fazia-me espécie.
O banco de baixo, o da direita, e o de cima eram as balizas.
A coisa chegava ao intervalo aí com um 5-0, um 5-1 para os que vinham de cima para baixo.
E terminava com uns 6 ou 7 a 10. Ganhando os outros.
Foi sempre assim.
E nunca ninguém barafustou.
No dia em que o Zé Inácio aliviou directamente para os vidros da janela do Sr. Hipólito, percebi porquê.
Ninguém disse: “Foi aquele! Não fui eu!”
Já não me lembro se fugimos todos.
Há em todos nós um pedaço de Deus. Mesmo para o ateu que vos escreve assim é.
Não se trata de fé, do sublime, do divino.
Trata-se da luz.
Todos temos a tentação da luz.
De nos sentirmos iluminados e de termos que iluminar os outros.
Não falta quem queira dar lições disto e daquilo. Incluo-me no lote, não quero ser mais divino do que os outros e gozar da suprema humildade e da suprema presunção.
Mesmo ao dizer isto, julgo poder reconhecer uma certa pesporrência. Paciência. Sou humano.
Mas no meio deste lote, há casos e casos.
Há os que afirmam mas ouvem os outros. Há os que afirmam e não querem saber.
Há os que encontraram a solução. Há os que duvidam de tudo.
Há os que estão sempre numa destas posições e há os que oscilam entre elas.
Às vezes gostava de saber em qual delas estou.