Se eu tivesse a mania da perseguição, haveria de haver vezes em que me esconderia tão bem que nem eu próprio soubesse onde estava.
Mas não é o caso.
Nunca tive tal tipo de preocupações. Em primeiro lugar, julgo não haver nada de interessante nas minhas actividades que justifique a curiosidade alheia. Em segundo, os ódios de estimação que possa ter granjeado não me parecem muito consequentes, mas vá-se lá saber...
Ora sucede que este tranquilo cidadão circulava há tempos pela E.N.362 quando se apercebeu que uma viatura circulava na sua cola, a idêntica velocidade, está bem de ver. Como a velocidade era da ordem dos 60 Km/h, estranhou que o carro se não aproximasse. É que isso de andar devagar já não é assim tão comum.
Depois de cruzar alguns nós com outras estradas e mantendo-se a situação inalterada, este pacato condutor achava, nunca deixou de achar, que o facto de se tratar de uma coincidência era o mais provável.
Resolveu brincar um pouco.
Acelerou e no primeiro lugar próprio que lhe surgiu, zás, fora da estrada a coberto de umas árvores.
Viu o outro passar.
Inverteu a marcha em cima das ervas e quando estava pronto para entrar na estrada, vê surgir o dito cujo de volta, em baixa velocidade e de cara à banda.
Mirou-o bem. Tinha mais aspecto de polícia do que de bandido.
Continuou a sua marcha até à localidade mais próxima e estacionou o carro bem à vista da estrada.
Atravessou e foi instalar-se num café com vista para o alcatrão. O perseguidor não apareceu ou então trocou de carro.
Até hoje, este pacato cidadão que, repito, não tem a mania da perseguição, ainda não sabe a que se deveu tão insólito interesse.
A única coisa duvidosa que fizera nesse dia fora parar junto a uma brigada da GNR e solicitar uma informação sobre o estado de uma determinada estrada.
O pretexto foi a licenciatura de um amigo.
A jantarada, a voltinha do costume, etc.
A Dyane Nazaré era de um que é médico.
Quando saímos do bar, o moço meteu a chave à porta e entrámos os três.
Eu notei qualquer coisa de estranho.
Ele pegou numa caixa de medicamentos que estava no porta-luvas e disse:
“Este carro não é meu. Eu não tenho isto no carro!”
Saímos.
Ele fechou com cuidado a porta à chave.
O carro dele estava dois lugares à frente.
Entrámos.
No porta-luvas, lá estavam as caixas de medicamentos. Ele mostrou-nos que de facto não tinha aquele.
Estranhas formas de se reconhecer o próprio carro. Coisas de médicos.
A menina S. vinha credenciada. Fluente em Germânicas. Oral e escrita.
Tomou posse numa segunda-feira e na terça já tinha um ursinho de peluche e duas fotografias em cima da secretária que ficava num corredor.
Eram suas funções atender o telefone, rasgar as mensagens do telex na serrilha, dactilografar e dar corpo a cartas cujo conteúdo lhe fosse transmitido em duas penadas.
Mas o primeiro teste foi a tradução de uma certa ficha técnica do inglês.
Pegou nela com dois dedos, abanou-se e lá foi para o seu corredor.
Ao fim de três dias, os três A4 da ficha deram lugar a umas folhas alinhavadas, rasuradas, onde se podia ler entre outras as seguintes expressões: "... depois da matemática..." "...funis inertes..."
Estendeu as folhas, sorriu e disse: "Não fazia ideia de que math era uma abreviatura de matemática. Nos dicionários que consultei não havia nada sobre isso..."
O depois da Matemática é hoje a minha expressão preferida para substituir ressaca, rescaldo, dia seguinte. A minha ignorância da língua pátria faz com que não encontre uma palavra curta e grossa que defina bem aquele tempo depois do caso, em que um homem vagueia pelas ruas à procura de um sítio para beber uma imperial, mesmo que seja manhã cedo.
O tempo de solidão depois de um combate bem sucedido, de uma aposta ganha, de um sonho que se figurou.
Não havendo no meu léxico essa palavra, adopto a expressão inglesa.
Depois da Matemática é um tempo curioso.
(P.S.: Este post surgiu inspirado na menina S. de que não ouço falar há quinze anos. Mas pode bem dizer-se que a amiga Arabella a Bella também tem o seu quinhão de responsabilidade)
Esta coisa de se fazerem pesquisas sem usar aspas, que permitiriam ligar um conjunto de palavras e acertar no alvo, é de certa forma demonstrativo da incapacidade da maioria esmagadora dos pesquisadores lidarem com uma ferramenta simples e bem explicada.
Ao incorporarem na pesquisa preposições e artigos de uso universal, que a maior parte dos motores de busca ignora, mais vincam essa incapacidade.
Por isso, deslumbro-me às vezes e disso tenho dado conta, com as fabulosas chaves de pesquisa que encontro no meu contador.
Esta de hoje, tocou-me.
Digam lá se não é caso disso: Frases bonitas de blogger O mais tocante é que, na altura, este blogue surgiu em primeiro lugar! Comovi-me! por MCV às 00:40
O biombo obrigatório
Se as coisas fossem devidamente estudadas, a sugestão do velho R.C. estaria decerto incluída nas alterações ao Código da Estrada.
É que ele há muito defende a obrigatoriedade da utilização de um biombo sempre que há um acidente. Para gorar os instintos curiosos da turbamulta.
A questão da regulamentação não é dispicienda. Ter-se-ia que optar por uma côr adequada e por ausência de pormenores decorativos nam-bam.
Mas como não se optou por essa via, decidiu-se penalizar, ao que me dizem*, no âmbito do mesmo código, a beata pela janela. Está certo.
Ainda não cheguei à parte em que a referida beata interfere com o trânsito e com a segurança do dito.
Dizem-me que isto anda tudo ligado.
Então e o Barnabé que tem uma malhada de porcos mesmo ao pé da estrada, e cujo cheiro é insuportável, não está também abrangido pelo código da estrada?
E a Maria que atira restos de comida para cima dos carros dos vizinhos? Também não?
É claro que a beata pode provocar um incêndio e o incêndio pode provocar uma nuvem de fumo que proporcione acidentes. É claro que a afluência de viaturas de socorro em alta velocidade é um risco acrescido.
E então, digo eu, e as queimadas? Não devem ser punidas pelo mesmo código?
E os arruaceiros da bola que provocam grandes afluências de meios de segurança, não deveriam também?
Quem tem árvores sabe desde sempre que uma beata em certos dias do ano é o suficiente para arruinar a economia doméstica. E tem cuidado, muito cuidado com isso.
Independentemente de ir a pé ou de carro. De avião a hélice ou de trotinete.
Certas pessoas só descobriram isso no ano passado quando durante 14 dias consecutivos o calor não abrandou. É pena que as coisas sejam novidade apenas quando assumem proporções catastróficas.
Mas é assim. Talvez porque a excessiva compreensão dos riscos seja incompatível com a gestão das massas. Não se consegue tudo prevenir, é certo. Mas se houvesse um pouco mais de observação das coisas, mais atenção, talvez se corressem menos riscos e não houvesse tanta agitação estúpida em torno de certos fenómenos naturais.
Vamos aprovar o biombo?
* pode ser falha minha, mas não consegui encontrar o conjunto de alterações ao Código da Estrada que, suponho, estão em vigor desde dia 1 de Fevereiro. Com tanto dinheiro mal gasto, não seria uma boa ideia termos acesso rápido e bem conhecido às leis que nos regem? São as receitas da INCM que estão em causa? O que é que isso significa em euros?
imagem do painel de René Bertholo em por MCV às 15:41 de 04 fevereiro 2004
Nunca se percebe com que sentido se diz isso.
Passou ao lado de uma grande carreira.
Se é porque havia uma carreira de cavalos ao lado e decidiu seguir pela vereda.
Se é porque tinha características pessoais que o guindavam naturalmente ao topo da hierarquia e ficou-se a ver os outros passar-lhe à frente.
Se é por benévolo lambe-botismo inútil. Quem passou ao lado não carrega adeptos.
Se é por piedade.
Por mim, gosto mais de interpretar à minha maneira. Uma carreira é (era) uma camioneta de passageiros.
esta magnífica fotografia encontrei-a na página de BusesofPortugal e já não está lá. por MCV às 19:28 de 03 fevereiro 2004
A idade e os blogues
O fosso entre gerações existe sempre. Se assim não fosse, ainda andávamos à pedrada uns aos outros. Ou qualquer coisa assim.
É claro que há ambientes em que se dilui.
Dilui-se na vida rural de algumas regiões mais atrasadas.
Dilui-se em ambientes artísticos de vanguarda.
Dilui-se entre especialistas de certas áreas do conhecimento.
E em outras situações.
Acentua-se em muitas outras.
Haverá diluição entre os blogueiros?
A grande maioria parece ser gente jovem, entre os vinte e os trinta. Mas também parece haver uma representação mais ou menos contínua das idades. A curva respectiva ignoro qual é.
Convivo aqui com várias gerações, com extremos em pessoas separadas de mim por vinte anos para mais e para menos. Desses de que sei a idade.
E aprendo com todos.
Talvez exista um espírito qualquer que faz com que o fosso desapareça ou se atenue.
Que se troquem ideias e palpites com interesse mútuo.
Não sei se é o espírito da rede, de um certo isolamento face ao teclado, não faço ideia.
É claro que há o mundo dos insultos, das polémicas sem conteúdo, etc. As coisas da vida.
Por mim, fico-me com o exemplo, pela positiva, de dois blogues, entre outros que poderia citar, que me acompanham à distância.
Por serem extremos da escala de gerações que leio, tanto quanto sei.
Senhorita Lilian (Tem alguém aí?) Senhor Fernando (O Observador) A estes amigos e a todos os outros a que não falho uma espreitadela, um grande abraço.