O CapatazTenho ali aos pés da cama um capataz e uma mala cheia de gente estúpida.
À mala não a comprei nem ma ofereceram. Veio parar-me às mãos em virtude de uma troca.
Há suficientes anos para não restar disto mais do que uma pálida memória, avistei, do alto de umas dunas fronteiras ao mar, na companhia de alguém a quem queria ainda impressionar, depois de séculos de conhecimento mútuo, como se diz agora, avistei, dizia, um barco cheio de mortos.
Acto contínuo, dei disso conta à única pessoa que me podia ouvir: "Olha um barco cheio de mortos!"
Ela passou por trás de mim, colheu mais três daquelas
perfumentas flores d'areia e continuou a andar para norte, afastando-se de mim e dos outros, que se tinham atrasado lá para trás.
Ora, ainda nada refeito do caso, entrei dias depois numa loja da especialidade e disse ao homem que queria trocar a minha observação.
Depois de por assim dizer observar a minha observação, disse-me:
"Tem que a trocar por uma do mesmo género. E hoje só tenho aqui esta" - apontou para uma mala vermelha.
"Ainda ontem dispensei uma banheira cheia de vinho tinto e uma écharpe cheia de nódoas. Talvez amanhã tenha cá um homólogo cheio de sintomas. Quer experimentar a passar amanhã?"
Não sei o que fazer com o capataz.
por MCV às 07:10 de 07 abril 2006 
"Ai-pode"Já aflorei
aqui o problema que me assola, chegando até a cometer a heresia de me comparar a Arquimedes. Mas pronto, o que eu queria mesmo era um daqueles gravadores que a malta usava antigamente. Com aquelas cassettes de brincar. Para ver, se de facto, não deixava apodrecer certas ideias parvas que surgem e ó, é vê-las a dar às de Vila Diogo. Apodrecer é bom de ver aqui é deixá-las mas é fugir. O homem não sabe o que diz, não sabe o que escreve.
Mas, porra, é isso mesmo.
É por não saber, não saber já as palavras que brotaram da fonte e que, lá onde o fizeram, pareceram fazer algum sentido ou nenhum, que me faz falta o registador.
Possa eu ter o discernimento para o ligar e para as proferir, sonoras, sem que entrem em desalinho.
Agora, é claro, se a coisa fosse já em
digital era logo melhor. Daqui a uns tempos, o reconhecimento de voz fica disponível em português e então é que é vá roupa.
Por falar nisso, aqui há um porradão de anos havia um utilitário que permitia ensinar (tipo escola primária) ao computador a escrever as palavras que ouvia. Isso perdeu-se ou ainda existe?
por MCV às 06:26 
Vistas curtasA vista curta é ela própria uma parábola.
É ela que nos impede de ver que as vistas são curtas. Parábola e quase paradoxo.
Pode até sê-lo no sentido geométrico, imaginando uma superfície que nos oculte parte do universo e que tenha uma secção parabólica, quando cortada por um plano alfa (alfa não, beta* - diria com ar sério um dos meus amigos).
Mas nesse caso, não seria curta, seria empalada. Com palas.
Pois bem, deixemos o disparatado intróito e passemos ao que interessa.
Ando divertido com esta polémica entre darwinistas e criacionistas. Não que esteja a par de todos os sucessos, mas suficientemente a par para sorrir benevolente com os disparates proferidos por uma e outra parte.
Ando igualmente divertido com os que se referem ao determinismo como se fosse algo que se liga às segundas, terças e quintas e se desliga nos outros dias. Não faz noites e tira férias na Páscoa.
Ando divertido com isto tudo. E mais me divirto quando as notícias me chegam pela televisão ou pela rádio.
Por alguém que tenta contar uma história sem a perceber minimamente.
*
por alguma razão que me escapa, não consigo colocar aqui alfas e betas de lei.
por MCV às 23:44 de 02 abril 2006 