Desce-se ou sobe-se da santa terrinha e logo a vergonha de mostrar que se sabe de galinhas e de farelos, enquista e trava a interpretação das coisas simples.
Isto não tinha, não tem, nada de singular.
Era um cacho de uvas. Sei lá de onde vieram, que tratos levaram. Eram uvas. E não eram grande coisa.
Para ali ficaram.
Eram visíveis a olho nu.
Por isso, um destes dias, o olhar fixou-se no cacho. Umas quantas uvas mirradas e encarquilhadas. Mas lá ficou.
Outros dias se passaram e mais uvas mirraram.
Até que me picou a mosca. Xaver as passas. Provei uma. Belíssima. Outra. Belíssima também.
Era a hora de alguém me pôr a maçã na boca aberta e servir. Bácoro dentro de um cesto.
Então mas estas uvas não ganham bolores, não azedam como as outras? Pelos vistos, não.
Fugiu-me a memória para os caniços. Para os pares de cachos atados, à espera da raposa ou de engelharem.
Afinal também as uvas de supermercado passam a passas. As uvas fabricam-se nos esconsos dos supermercados, um pouco à frente do leite e antes das salsichas, toda a gente o sabe.
Santa ignorância. Santa mas nada rústica, é urbana ou suburbana, como quiserem.
Numa das células dos lábios, numa molécula de cloreto de potássio, num átomo do dito potássio, num dos seus protões, num dos seus quarks, numa galáxia desse quark e aí, num planeta terrestre, nasceu e morreu uma mulher como nunca houve outra igual. Nasceu ela e toda a sua ascendência e descendência. Morreu ela e todos com ela. Ao meio-dia em ponto.
O estranho disto tudo é que era uma mulher.
Não era uma forma de vida indetectável pela nossa cegueira.
Outros disseram que o estranho era haver átomos de carbono dentro de um átomo de potássio.
Disse-lhes que era completamente ignorante nessas matérias.
Espero que se trate de uma anomalia no sistema lá no IM.
O facto de o intervalo de tempo ser negativo terá algo a ver com a imagem que se vê?
É que se não tem, se não há anomalia alguma, é preocupante o cenário.
Uma semana inteira sem actividade sísmica registada?
Cruzes, canhoto! O caso não é grave, é gravíssimo!
Aquilo que vi há pouco menos de uma hora nas cadeias de televisão pode bem ser um momento decisivo, um ponto de inflexão na curva.
Não se trata apenas de um velho que carece de uma cama de hospital.
É um sobressalto num mundo que vive há décadas num beco sem saída.
A ver vamos no que dá.
Estou assim. Com pouca cor.
Embrenhado em escritas outras.
Chove-me nas árvores e nos pastos e nos montes destelhados.
Pouca destreza.
Uma surpresa desagradável. Dei-me conta de que, por raramente escrever à mão nestes últimos tempos, sequer desenhar, a minha caligrafia envelheceu.
E apressou-se, uma sucessão de gatafunhos a correrem desalmados. Para quê? Que pressa é essa?
Deixo-vos com esta foto. Que não tem tratamento algum. Nada de truques. Tudo cinzento. Ou talvez não.
Quando este episódio se passou, uns bons catorze anos atrás, apenas desencadeou um singular conjunto de apostas que quase comprometeu o ordeiro regresso a casa, no final do primeiro dia de obra, em certa povoação na qual o nosso guia tinha cumprido serviço militar.
As apostas, é bom de ver, tiveram o seu terreno fértil na desorientação do guia.
Hoje, ao olhar para esta situação, ocorre-me compará-la com muitas outras, que quase todos os dias vemos e ouvimos.
Afinal, andei enganado estes anos todos.
É a 9 de Outubro e não hoje, 26, que se celebra o meu santo padroeiro.
O de 26 é outro. Nada a ver, excepto o nome.
O que distingue São Rústico dos outros companheiros de martírio é que ele depois de decapitado e de, tal como Dinis (Saint Denis), apanhar a sua cabeça do chão e a lavar numa fonte, beijou-a antes de lhe falecerem as forças aos pés de uma bela mulher.
É este pormenor do beijo que marca definitivamente a grandeur de tal santo.
E é por isso que é meu padroeiro.
Foi há muito. Há trinta anos.
Já não sei como começou o diálogo, naqueles dias de porrada e de jogos de cartas no refeitório do liceu.
Mas o homem, devidamente fardado e etiquetado na incipiente barba rala, depois de algumas considerações sobre símbolos e atitudes, saiu-se com qualquer coisa assim parecida:
"É o fim dos tempos. Já não há mais nada para ser inventado. Já fomos à lua, já temos computadores (helás! - isso ele sabia que já havia), televisões, telefones, aviões, automóveis, já nada resta para ser inventado! O fim está próximo!"
Por alguma razão, esta frase absurda não mereceu comentário, réplica alguma da minha parte. Fica-te lá com a tua teoria que eu vou jogar às cartas, qualquer coisa do género.
Mas o certo é que ficou bem gravada. Durante muito tempo como exemplo acabado da total paragem no tempo, da ausência de sentido crítico, de imaginação, etc.
Hoje, revejo-a e interrogo-me se o homem não teria em parte razão.
É conhecido que à civilização e aos seus avanços, sucedeu quase sempre a barbárie.
E que povos mais evoluídos soçobraram às mãos de invasores com menos engenho.
As estatísticas já há uns anos nos dizem que os povos mais civilizados tendem, com as curvas actuais, a extinguir-se. Basta atentar nos índices da ONU e ver o que revelam.
Nestas coisas de analisar tendências corre-se sempre o risco infantil de só ver a parte da curva que mais interessa. Sei disso. O maior erro das projecções é continuar a curva com os mesmos parâmetros.
Nada nos garante que não haja alterações. Mas não as havendo, a civilização tal como a conhecemos dará de novo passos atrás, como a História de resto nos ensina.
Será de forma violenta? Ou com a paciente definhando numa cama?
O homem teria razão ou sou eu que estou parado no tempo?