De cada vez que se diz que a memória é curta, há sempre um limite, uma assimptota ou um foco nesse propósito.
Assimptota, porque não se espera que ela ultrapasse certos limites que possam ofuscar a argumentação.
Foco, porque se exige a concentração num aspecto, numa atitude, numa palavra.
Lembras-te de quando...?
Já aqui disse que a memória é e não é essencial.
Não o será mais do que o erro, esse sim, essencial na evolução.
Quem aperfeiçoa uma máquina, precisa de dominar a sua constituição e funcionamento, não é necessário que saiba a história da sua evolução até ao momento em que se confronta com ela.
Errará. Tornará a errar até que consiga obter dela mais rendimento, mais adequação.
Juntos, erro e a memória desse erro, ajudam-nos a sobreviver. Focados, aquém das assimptotas.
O pensamento, porém, teima em desfocar as coisas, em ultrapassar todos os limites. O sonho, envolve-o e é-lhe cerne. Contradições.
Ainda as há. E haverá.
Lembrança de Fátima. Lembrança da Nazaré. Lembrança de... Recordação de...
Também há as prendas, aquelas que se compram à pressa no centro comercial e que titulam o melhor amigo, consagram o dia do pai, parabenizam e osculam.
As estantes lá se vão enchendo destas inutilidades, deste consumismo obscuro sem objectivo visível.
Mas quando alguém dá importância a uma carica, a um guardanapo de papel, a uma faca roubada, a um jornal amarelento, é o diabo.
O que é que isto está aqui a fazer?
Um destes dias, alguém teve o desplante de destruir uma recordação que eu tinha em cima da secretária.
Era uma maço de tabaco vazio, tudo bem...
Mas que raio é que a pessoa tinha com isso?
A secretária é dela? O maço era dela?
Deixa lá. Eu depois compro-te um maço de tabaco...
Como é que se explica isto a uma pessoa que nos dá uma resposta destas?
Nunca na vida.
Nunca se prendera em teclas, nunca se dedicara a chats, a newsgroups, essas coisas...
Criara umas páginas lá para meados de 90.
Interesse público. A terra dele, fotografias, coisa formal.
O diabo é que tinha um caderno preto.
Desse caderno, inaugurado vezes sem conta, quis fazer um blogue.
Para ali escreveu. Banalidades.
Ilustrou.
Fotografias, desenhos, rabiscos.
Depois começou a ler. Aqui, ali, acolá.
Afinal, tantos como ele. Uns, políticos. Outros, sociólogos. Outros, o que fosse.
Leu.
Anotou os que gostava.
Um dia, abriu os comentários.
“Nd a vê, teu blog!”
“Passa lá no meu!”
Um dia, um comentário chamou-lhe a atenção.
Aquele nome ele conhecia. Era de alguém que ele costumava ler. Confirmou.
Sem ser seu hábito, deixou um comentário de resposta. Formal.
Teve réplica.
Um dia, considerou que o que lhe apetecia dizer era grande demais (talvez até não o quisesse público) e enviou um e-mail.
De resposta em resposta, vieram as teclas como cerejas.
Até que...
Lhe conheceu a voz.
Corre a ideia de que é quando elas se tornam avós que estas coisas se sabem.
Eu do pessoal só sei o que este ou aquele deixou escapar com uns copos a mais. Pouca coisa. Às vezes dava para desconfiar de certas insistências mas enfim... fraquezas todos têm. Elas provavelmente sabem mais do que nós, a crer na sempiterna intuição feminina.
Mas não sei o que ia naquelas cabecinhas naqueles anos de fogo. Nunca fiz a menor ideia, a julgar pelas surpresas que me reservaram.
Qualquer dia são todas avós, ou deveriam ser.
Vai ser bonito quando beberem de mais. E um melão para os externos, para os adidos.
A obra é bela e robusta.
Não obstante, a pouca atenção a que tem sido sujeita permitiu os estragos do tempo.
Uma das queixas do meu interlocutor era o sistema de drenagem das águas pluviais.
Mostrou-me as infiltrações, os danos, tudo com pormenor e conhecimento.
Depois rematou:
"Estou em crer que nunca se desobstruíram os tais tubos de drenagem.
Há pouco tempo, quando mandei fazer isso, nem imagina a quantidade de maços de três vintes que de lá saíram!"