Fico a saber que foi em Janeiro de 1987 que as minhas preferências se viraram para a tinta castanha da Parker.
Uma mancha azul no meio do castanho - um nome feminino, completo, ao lado de um desenho que não se interpreta bem, devia ter se destacado em devido tempo.
A injustiça do mundo é assim mesmo - sonhos que se tornam realidade e disso não nos apercebemos senão tarde de mais.
Ou será que estou a ver tudo com olhos nostálgicos e a imaginar mensagens que nunca existiram?
Mas por que raio o nome aparece primeiro sozinho e depois se repete com todas as letras, nomes próprios e apelidos num caderno meu?
E por que é que não tinha dado por isso antes?
E aquele desenho é um esquisso de quê? De uma infiltração de um líquido?
Sempre me interessei pelas publicações antigas do MOP que incorporavam fotografias de obras.
Algumas ainda resistem por aqui, saídas agora de dentro de caixotes. Outras, de que ainda retenho memória visual, desapareceram sem deixar rasto.
Esta fotografia é notável. Mostra uma obra em vias de conclusão (ainda faltava o zimbório) que quando foi iniciada, ninguém poderia imaginar que no seu final existiriam técnicas que permitissem obter uma imagem instantânea e ainda por cima do ar.
Para os mais novos, aqueles que não sabem de onde vem a expressão "Obras de Santa Engrácia".
O pessoal das mudanças devia ser obrigado a sigilo profissional.
De entre os muitos profissionais a quem temos de confiar partes da nossa vida, estes são os que mais a escrutinam. Desde o pó por detrás do guarda-fato à colecção de livros, passando pelas marcas que deixamos um pouco por todo o lado.
Não faço ideia dos destaques que farão quando escalpelizarem o dia de trabalho que incluiu o transporte de dois pesadíssimos estrados escada acima e escada abaixo.
Talvez que estas mobílias já não se usam.
À parte a referência expressa ao peso dos caixotes de livros, que um burro carregado de livros já se sabe o que é, tudo o resto foi feito em silêncio. Muito profissional.
E, aqui chegados, eu sabia que tinha esta fotografia.
Está na capa de um livreto editado pela JAE em 1954.
A seta aponta o pilar que caiu em 2001. Que não estava, na estiagem presume-se, no leito do rio.
A capital do móvel não me deve nada.
A minha pouca apetência consumista, as heranças avoengas e um certo esgar face aos aglomerados de madeira que se dão ares de cerejeira, de azinho, de pinho ou de castanho, faz com que não seja cliente de lojas de mobílias.
Ainda me surpreendo com as peças em boa madeira que encontro abandonadas no lixo, enquanto os seus anteriores proprietários se deliciam com as últimas modas dos hipermercados do ramo.
Hoje fui levado a um desses santuários.
A sensação que tive foi a de ter recuado até aos anos 30. Ou até um pouco mais. Lá estava a Bauhaus reinterpretada, quase noventa anos depois. Nada de novo, portanto.
Mas a ideia com que se fica é que estas coisas são assim mesmo. Que se vendem como novos, conceitos e formas de arte que já fizeram quase um século de caminho.
No caso do mobiliário, com materiais muito mais perecíveis.
Pela minha parte, também prefiro o que já resistiu mais de cem anos. Mas ao serviço. Mesmo que a minha cadeira não seja tão confortável como as que se vêem hoje por aí.
Hoje deve ser um dia especial.
Durante anos foi-o por uma razão que já não faz sentido.
Mas hoje, hoje, não comemora nada. Hoje abre uma nova era.
Em que não se vislumbram vantagem pessoais. Mas em que se deseja, se espera que outros, próximos, as tenham.
Ainda não sei que dia é hoje. Sei que perdi algo. Sei o que perdi, mas não sei quanto.
Vem aí mais uma época de argumentos extraordinários.
Da chamada retórica política, que é das coisas mais vazias que existe.
Sobre o que aconteceu hoje, já tinha dito tudo o que pensava, antes até da coisa explodir aqui nos blogues. Fi-lo aos primeiros rumores mais consistentes da partida do ex-primeiro-ministro para Bruxelas.
Considero que não há em Portugal, há muito tempo, muito tempo mesmo, qualquer tipo de opção política. Saber se as há noutras paragens, é outra questão sobre a qual não me pronuncio.
Não a havendo, vamos tendo cada vez mais do mesmo, até que a corda parte. É assim há séculos.
Temos por vezes a sorte de ter dirigentes mais iluminados, outras o azar de contar com medíocres.
Os tempos que se avizinham não são famosos.
Seja qual fôr o resultado das próximas eleições, o caminho não será cheio de pétalas.
E é isto que marca o actual momento. A ausência total de saídas. O beco.
É certo que com a integração europeia abdicámos de instrumentos políticos para actuar desta e daquela forma na nossa posição no quadro internacional e que isso também não deixa grande margem de manobra internamente.
Vivemos há muito a gerir a nossa sobrevivência. Os tempos que aí vêm serão, de qualquer forma, prenunciadores da abdicação total.
Tanto faz que seja fulano ou beltrano a fingir que governa.
No plano pessoal, a notícia do dia é outra, e é ela própria, uma notícia esperada e não esperada.
Daquelas que é importante, que é de Estado, que merece a solenidade do fato preto.
Que é recebida com um sorriso, nunca se sabendo que repercussões traz.
Esta amplitude térmica diurna, à volta dos dois graus, reflecte ou proporciona o gesto de encolher os ombros.
As condições mundiais, bacalhau a pataco e literatura de cordel
Acabo de fechar a porta, com a polidez possível, a duas senhoras vestidas de bege (será que o bege faz parte da conspiração?) que me pretendiam elucidar sobre as condições mundiais.
Assim que me lembre, apenas uma vez acedi a trocar algumas palavras com estas brigadas evangélicas. Face à minha argumentação conjecturalmente darwiniana, voltaram dias depois à carga coadjuvadas por um senhor de gravata. Empate técnico, como se diz agora.
Nas minhas memórias consta também um certo domingo (seria sábado?) de manhã, em que acordei ouvindo vozes estranhas na sala de estar.
Com curiosidade adolescente, abeirei-me da porta e distingui a voz de meu pai que placidamente argumentava com as senhoras, numa manifestação de disponibilidade para estas coisas, que eu lhe desconhecia.
A questão do fechar a porta, a questão de ter já uma vez cumprido a penitência, como se fosse obrigatória a passagem, ao menos uma vez na vida, por essa experiência de indígena que carece de evangelização, dá pano para mangas.
Desde logo porque a sociedade actual é uma espécie de ditadura do diálogo. Que nos obriga a ouvir e a respeitar as opiniões dos outros.
Ora a verdade é que nem ouvimos nem respeitamos todas as opiniões que nos colocam à frente.
Esse é o primeiro equívoco.
Como dizia há dias a uma blogueira amiga, a espécie humana divide-se em variados tipos, sem embargo de me esquecer de algum:
Os cépticos
Os crentes
Os crédulos
Claro que estas categorias não são estanques. Interpenetram-se.
Mas um céptico será sempre um céptico, um crente sempre um crente e um crédulo só deixará de o ser se descobrir os pés de barro do seu ídolo ou ídolos, o que nem sempre acontece.
É pouco provável que os dois primeiros modifiquem a sua opinião sobre as coisas.
Já o crédulo pode ou não mudar de opinião, consoante o vento. Mas isso normalmente não depende da argumentação alheia, depende mais do ascendente que o outro exerça sobre ele.
Parece assim que qualquer embate de palavras é um mero exercício argumentativo, que pode ou não deixar-nos mais aliviados, mas que seguramente não conduz a lugar nenhum.
Ora isto traz-nos aqui, à cultura dos blogues.
Afinal não ando de porta em porta a apregoar o meu bacalhau a pataco ou a minha literatura de cordel mas o resultado é quase o mesmo.
Dir-se-á que a diferença reside precisamente no facto de não andar a perturbar o quotidiano alheio com toques de campaínha. Talvez.
Mas a verdade é que, invertendo as coisas, procuro as novidades nos blogues que acompanho. E se, muitas vezes, o que lá está escrito me agrada, também há vezes em que me irrita. Outras considero que é um tremendo disparate.
Voltando a inverter, assumo que o mesmo ocorrerá com quem aqui vem ler o que escrevo.
E isso, de alguma forma, interfere com os outros.
Poder-se-á dizer mais uma vez que mais fácil do que fechar a porta é clicar Back ou fechar a janela. Mas há uma opinião escrita, há uma visão das condições mundiais que já foi lida. Mesmo que os meus leitores sejam cépticos, e eu suspeito que a maioria o é, alguma coisa fica. Tal como fica na minha cabeça o que leio com agrado ou desagrado.
Nada de novo nisto.
Mas pela mesma razão que raramente comento nos blogues meus favoritos, também não me apetecia hoje comentar no blogue das senhoras de bege.
Quem paga as favas são os meus leitores.
O mundo está perdido.
Nos últimos dias já foram duas as vezes que falei na minha velha casa.
É provável que o assunto escorra por estas linhas mais algum tempo.
Com toda a probabilidade, o ano de 2005 será o ano do adeus definitivo.
Em pouco mais de três anos, terei esvaziado as minhas memórias por duas vezes. A verdade é que nunca contei ter que me despedir de nenhuma casa. E acabo por fazê-lo das duas onde cresci em curto intervalo.
Eu ligo às coisas, aos espaços, às memórias que acalentam. Fechando a porta pela última vez, despeço-me de mim também. Não é agradável. Os que já passaram por isso, sabem do que falo.
Mas como em todas as coisas, também há efémeras alegrias no meio do desalento. Encontram-se objectos que julgávamos perdidos para sempre.
Ontem encontrei uma caixa de moedas. Daquelas de dez centavos em alumínio ditas marcelinhos.
Como não há uma inutilidade sem duas, nem duas sem três, aqui fica a segunda em poucos dias. A terceira não tardará.
É que achei curiosa a distribuição por anos das moedas que lá encontrei.
Como podem ver, as quantidades de moedas de 1971, 1972, 1973 e 1979 mantêm-se numa proporcionalidade aproximada à cunhagem respectiva, enquanto que as quantidades referentes aos anos de 1974 a 1978 seguem proporções diversas e menores.
Claro que de 1969 e 1970 não tenho nenhuma.